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quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Um melodrama romântico dos anos 1940

CICLO DE CINEMA E MODA- PUC - 11 agosto de 2009 - Jô Souza
cobertura do evento no blog: http://ateliecarlasizino.blogspot.com/

Cena do filme:Desejo e Perigo

O filme Desejo e perigo de Ang Lee (2007) afirma que “Amor e a tortura co-existem”1 A narrativa do filme se desenvolve a partir do ponto de vista feminino e se acha pontuada das contradições que se manifestam nas relações sociais, nas interações amorosas e nas cidades: pessoas famintas e errantes se misturando com cafés elegantes e joalherias; o luxo e a miséria convivendo lado a lado. É nesta atmosfera de limites que vivenciamos a experiência do filme.
São sutis as operações de metalinguagem em Desejo e perigo(os filmes Suspeita e Interlúdio de Hitchcock e o filme Penny Serenade ): um cinema dentro do cinema e uma atriz representando uma atriz.

Suspeita de Hitchcock 1941
Em 1942, durante a segunda guerra Mundial, a cidade de Shangai (sudoeste da China) é ocupada pelos japoneses. Na abertura do filme, a senhora Mak, uma mulher sofisticada, caminha até um café, faz uma ligação telefônica. E passa a se recordar de sua trajetória que começou em 1938 quando ela, ainda estudante universitária, se juntara a um grupo de jovens atores amadores que faziam planos para participar da resistência contra os japoneses.

A senhora Mak será o papel desempenhado por essa personagem, a idealista aspirante a atriz Wong Chia Chi − interpretada pela jovem Tang Wei, ex-modelo e candidata a Miss Universo em 2004. Segundo os planos do grupo, ela precisa se aproximar de um colaborador japonês e chefe do serviço secreto, o senhor Yee (Tony Leung: 2046, Amor a flor da Pele, Herói), e seduzi-lo, para que ele possa ser executado pelos revolucionários. Esse personagem lembra figura viril de Humphrey Bogart, na roupa e no gestual: um burocrata chinês que se parece com um gangster hollywoodiano. Todo o percurso da atriz para manipular e alcançar o objetivo traçado pelo grupo é acompanhado por uma transformação interna e externa da personagem. Aparência e essência se interpenetram diante de nossos olhos.

Assim, o cabelo da atriz principal é liso enquanto é estudante. Depois, com ela mais madura, torna-se encaracolado e mais sedutor. Na estudante, a maquiagem é bem natural e leve. Quando se transforma na Senhora Mak a sua “beleza” (design) é mais forte nos olhos e na boca.

Como aborda Pavis: Um figurino é definido a partir da semelhança e da oposição das formas, dos materiais, dos cortes, das cores em relação os outros figurinos. O que importa é a evolução do figurino no decorrer da representação, o sentido dos contrastes, a complementaridade das formas e das cores. O sistema interno dessas relações tem (ou deveria ter) grande coerência, de modo a oferecer ao público a fabula para ser lida.Toda visualidade dos personagens é também marcada pela espacialidade: nota-se uma gama de cores mais vibrante e inocente quando eles estão em Hong Kong. Somente nos momentos finais da estadia naquela cidade é que essa cartela desaparece.

Quando Wong e seus parceiros partem para Xangai, a cartela de cores tende a uma atmosfera noir . Wong vai incorporar a Senhora Mak que é uma interpretação do personagem, num estilo quase cênico, ou seja, percebemos uma forte influência do cinema e das divas americanas: Greta Garbo e Beth Davis, por exemplo, que eram parâmetros mundialmente difundidos para a moda da época.

Segundo Lipovetsky (1989), as relações entre o cinema e a moda vão muito além das telas e se tornaram parte da realidade. Aliás, a autora do livro em que se baseia o filme, Eileen Chang, era cinéfila e admiradora de Hitchcock − cujo estilo de suspense entra como contraponto ao drama por ela desenhado. Esse poder de sedução que o cinema exerce nas pessoas é em grande parte resultado de mais um dos produtos da mídia: as estrelas e os ídolos. Os mitos cinematográficos caminham entre nós.
Desde os anos 1910-1920, o cinema jamais deixou de fabricar estrelas, são elas que os cartazes publicitários exibem, são elas que atraem o público para as salas escuras, foram elas que permitiram recuperar a enfraquecida indústria do cinema nos anos 1950. Com as estrelas, a forma moda brilha com todo o seu esplendor, a sedução está no ápice de sua magia. (LIPOVETSKY, 1989, p.213).
O figurinista Pan Lai criou o figurino de Wong pontuando sua a trajetória e transformações por meio da aparência. Assim, na fase mais jovem, por causa das vestimentas mais leves, notamos uma gestualidade mais ágil, ao passo que quando Wong está usando um Qi Pao ocorre uma intensidade na expressão corpórea. Os seus traços externos − idade, altura, postura, andar, vestir são mais fáceis de serem analisados. O grande desafio para o figurinista é exteriorizar as características psicológicas ou aspectos internos, como a mutável emoção do personagem.
Algumas perguntas devem ser respondidas pelo figurino: o que pretende Wong? Quais os seus desejos? Qual a sua força impulsora? Qual a força interna que a levou a tomar certas atitudes? Qual a imagem que ela que projetar de si? Qual a sua biografia? Assim, seu figurino é marcado por detalhes e traços que identifiquem tais enunciados. Ao longo do filme ela adquire uma vida em toda a sua plenitude, isto é, a atriz Wong constrói uma identidade para a Senhora Mak, de maneira que ela pareça real: define uma classe social e um conjunto de atitudes habituais, de modo a conseguir verossimilhança. Como afirma Jean-Jacques Roubine.

O figurino deve, portanto contribuir para essa representação hierática, ajudando ao mesmo tempo a caracterização do personagem e a expressividade do seu corpo. Ele não deve remeter a nenhuma realidade arqueológica nem aceitar qualquer facilidade decorativa. Deve ser, sim, um puro sistema de formas e de matérias, que a iluminação e o trabalho do ator dobrarão às exigências da situação dramática. (ROUBINE, 1998, p. 149)

Todo o jogo de sedução que o filme mostra se faz por meio das vestimentas. A moça se faz de mulher passiva e submissa, falsa amiga da esposa do alvo, e assim finge que se deixa seduzir por ele. Como o poeta de Fernando pessoa, ela finge tão completamente que se envolve deveras com o policial traidor da pátria. Mesmo recorrendo ao figurino como aparato de sedução é no desnudar dos corpos que os personagens se encontram em sua plenitude humana e se apaixonam. É na cama, sem qualquer roupa, que eles se surpreendem e o drama se faz tragédia. No filme de Kaneto Shindo , a máscara se cola ao rosto da personagem. No de Ang Lee, ela se funde à sua alma.
Desse modo, a roupa carrega a história do personagem e sua relação com o partido, construindo uma cartografia de tecidos, de cores e de estilo como um arquivo de memórias do personagem: carrega o seu passado, modelando o seu futuro e vivenciando o seu presente.
Notas:
1. Em entrevista coletiva de divulgação do filme.
2. Gênero cinematográfico que começou no início dos anos 40, com filmes de iluminação soturna e contrastada que lidavam com o lado sinistro da vida urbana, enfatizando a identidade psicológica entre detetives e criminosos. Já o filme de Ang Lee é luminoso e solar: os contrastes e as sombras se acham no interior das personagens.
3.Uma lenda afirma que o vestido foi criado no séc. XVII para facilitar a pesca por uma jovem pescadora, também conhecido como Cheong sam. Mas, foi somente nos anos 30 que o vestido foi popularizado na China com diversos comprimentos e sem mangas. Já nos anos 40, o Qi Pao se torna mais prático e mais justo ao corpo. Mescla de tradicional e elegante, uma mistura de estilos, ele é confeccionado a partir da seda como o brocado de seda. Na gola um colar de pé do mandarino ou uma aplicação ou bordado de alto relevo.
4.O filme Onibaba (Japão,1964) tem direção e roteiro de Kaneto Shindo. Na mitologia japonesa, Onibaba é uma espécie de mulher-demônio. Shindo, representa os horrores da guerra e os resultados moralmente nefastos das coisas que se pode fazer para sobreviver durante este período de miséria. Trata-se de uma obra que mescla suspense, fantasia, terror e drama psicológico freudiano ao relatar a história de duas mulheres tentando sobreviver no interior do Japão devastado pela guerra.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFIAS
LIPOVETSKY, G. O império do efêmero: a moda e seu destino nas sociedades modernas.
6.ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
ROUBINE, J-J. A linguagem da encenação teatral, 1880-1980. 2 edição. Tradução e apresentação, Yan Michalski. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998.

Um comentário:

  1. Oi, Jô!
    O post sobre o evento já está no ar lá no blog: www.renatabatata.wordpress.com
    Adorei sua análise e vou copiar a biblio! Além de assistir ao filme japonês.
    Beijinhos e até terça!
    Renata

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Eu estou muito contente com sua participação...aprender é compartilhar o saber.

beijos jo souza

EM 2011

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