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quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Ciclo de Cinema e Moda - PUC – 25 de agosto de 2009

Apresentação do filme: Identidade de nós mesmo – Wim Wenders, em 1989
Jô Souza



No filme Identidade de nós Mesmos, o diretor Wim Wenders apresenta o seu olhar particular e ocidental em relação à cultura oriental, tendo como personagem central o estilista Yohji Yamamoto. Na espacialidade de seu atelier, sobressai tanto o valor estético, quanto uma forma cultural de vida que, no ritual (conceber, afastar, olhar, chegar, pegar, tocar e registrar) se organiza por meio do contrato entre Yamamoto e seus “anjos da guarda” − termo usado por Wenders para se referir à equipe do estilista, que vai interferir nas marcas do enunciador (Yamamoto) e seus enunciados ( roupas).

No discurso de Wenders dentro do carro, captando a cidade pelo olho de um monitor de vídeo, ele revisa os conceitos de Benjamin (1969) e de Baudrillard (1983) desenvolvido a respeito de Paris no século XX. Também aborda a reprodução mecânica em fotografia, a imagem analógica e a digital na filmagem e afirma: “tudo é cópia”. Assim, estamos confinados num mundo de cópias. A moda coloca o corpo em circulação pela cidade e a cidade é seu cenário privilegiado. A cidade acolhe o anônimo, a reprodução, a multiculturalidade, a identidade fragmentada e a ilusão de originalidade. Wenders e Yamamoto se debruçam na confusão da cidade para compreender a identidade urbana.
Corte para a cena com o Yamamoto em Paris: o estilista articula o discurso das identidades japonesas e explica que, no Japão, ele é considerado uma pessoa de Tóquio, já em Paris ele é um japonês. Yamamoto não esperava que sua criação fosse rotulada como uma criação japonesa.
Wenders fala do perigo de se tornar prisioneiro do seu próprio estilo ou condenado a imitar suas próprias criações e Yamamoto responde com maestria: “no momento que aceitamos nosso próprio estilo, estamos livres” e Wenders completa: aqui, é o autor . Somos levados pelas imagens captadas do diretor a vivenciar o processo criativo do estilista no espaço do seu atelier, deflagrado a partir de referências visuais (fotografias, pinturas, imagens, gravuras e desenhos, tanto orientais quanto da história ocidental). Percebemos que Yamamoto busca as pontes entre os dois continentes. Tanto que a mudança das cidades, no inicio do filme, são imperceptíveis na montagem.
Numa cena, o estilista fala em japonês e seu discurso são as conseqüências da guerra, enquanto olha o pátio do Centro Georges Pompidou com uma imensa “fila” que não é mais a “fila” da guerra pela comida, mas a “fila” para o acesso à cultura. A ausência do pai é lembrada, assim como a constante presença da sua mãe na sua vida. Ele deixa evidenciado que, dentro dele, a guerra ainda não terminou, porque continua lutando com algum sentimento deixado no passado.
Wenders e Yamamoto operam entre o passado e presente. O primeiro entre as linguagens do cinema e do vídeo, enquanto o segundo entre a efemeridade da moda (presente) e sua afinidade com o passado (fotografias e a sua origem). Wenders pontua toda narrativa com o paralelismo entre o diretor de cinema e o estilista. Ambos trabalham com a produção de imagens. Imagens que não são somente produzidas pelo cinema, mas pelas cidades, pela moda, pelos aparatos eletrônicos e por todo o processo midiatizado produzindo as imagens identitárias . No livro, El lenguaje de los nuevos médios de comunicación, Lev Manovich afirma que é inútil estudar “o meio” como único ou de maneira isolada. Os novos meios de comunicação devem ser tratados em relação com as demais áreas da cultura, passadas e presentes.
Nas fotografias em preto e branco, ele observa as dobras, os tecidos e as texturas das roupas. Assim, o estilista vai mapeando a cartografia do seu consumidor final: o corpo ocidental − desde a proporção deste corpo, seu ritmo e gestualidade, à relação dele no cotidiano, seus hábitos e costumes.
Com uma alfaiataria impecável, as formas das roupas são práticas e confortáveis, os cortes são soltos e largos. A cor preta é dominante na cartela de cor do estilista. Ele explica que essa escolha parte do principio de que a cor preta possibilita a construção, a pesquisa e o aprofundamento das formas. A presença de cores produziria sentidos e emoções que não lhe interessam. A cor preta virou moda nos anos 80, influenciando as “tribos urbanas” das grandes cidades como o punk ou dark. Além disso, a cor preta é capaz de resistir às mudanças da moda ao longo do tempo.

O efeito estésico acompanha todo o processo criativo de Yamamoto: os dedos tocam o tecido, interligando as sensações táteis às corpóreas e às apreensões visuais que vão interferir no seu “tatear” do tecido. O olfato é estimulado pelo o cheiro da tintura. As mãos são as “operadoras” que elaboram produtos. Numa sequência do filme, o estilista comenta o processo de feitura do tecido, enquanto a câmera que registra seu depoimento se acha sobre uma ilha de edição. Temos aqui uma metáfora a respeito do artesão que trabalha para montar o filme e aquele que concebe o tecido a ser usado no projeto de coleção do estilista. Ambos são invisíveis ao olho espetacular, mas sabemos que eles estão presentes no produto final, tanto no filme quanto na roupa.
No filme, os discursos de Yamamoto são reiterados e figurativizados por meio de algum objeto da cultura popular: como o tapete com a figura feminina, ao confessar que gostaria de ficar em casa se não fosse estilista. Em outra seqüência vemos um avião de brinquedo, enquanto o estilista aparece no visor da tela.
No discurso do mundo da moda, Yamamoto vivencia alguns paradoxos: estilista e costureiro; fluido e sólido; efêmero e permanente; fugaz e estável; masculino e feminino. E afirma ter desenvolvido um método para equilibrar esses pólos. Elabora um discurso contra a simetria já que o homem não é simétrico. Nesse momento, a câmera se concentra no bailado das suas mãos eloquentes e significativas, que se movimentam como uma dança sensorial aos nossos olhos.



Neste artigo para o MODA BRASIL + DESIGN, a designer Regina Barbosa resgata a discussão iniciada no ciclo de debates “Cinema e Moda – Figurino e Narratividade”, realizado pelo Centro de Pesquisas Sóciossemióticas da PUC-SP, em agosto de 2009. O evento, que teve a coordenação da Profa. Dra. Ana Cláudia de Oliveira e a organização da pesquisadora Jô Souza, reuniu em três encontros pesquisadores e especialistas de ambas as áreas, sempre com a proposta de, a partir da exibição de filmes emblemáticos, abrir a discussão em torno do cinema, da moda e do corpo. Leia o artigo a seguir.

Neste que foi o primeiro ciclo voltado ao estudo sobre a estreita relação entre a moda e o cinema, foram exibidos três filmes, Desejo e Perigo (Se, Jie, 2007, dirigido por Ang Lee); A Duquesa (The Duchess, 2008, com direção de Saul Dibd) e Identidade de nós mesmos ou Anotações para Roupas e Cidades (Aufzeichnungen zu Kleindern um Städten, 1989, dirigido por Wim Wenders).
Parece muito oportuna a análise sobre Desejo de Perigo, cuja narrativa não linear nos conduz pela China ocupada pelos japoneses durante a Segunda Guerra Mundial. Tal condução é feita pelo olhar da jovem Wong Jiazhi, que é “recrutada” para fazer parte de um grupo de teatro patriótico que a levará a participar de uma ação da Resistência.

Transformação
Essa jovem – que não é atriz – é levada a tornar-se uma fictícia senhora Mak, que se infiltra no círculo social de um alto funcionário do Governo – o senhor Yee – e, enquanto tenta seduzi-lo a fim de trair este homem (que aos poucos deixa de ser um inimigo apenas) acaba por trair a si mesma e ao movimento de Resistência ao qual pertence, apaixonando-se por Yee.
Ao fim da exibição – e é claro que eu não conto como o filme termina! – Ana Cláudia Oliveira trouxe para a mesa de discussão Dhora Costa, Cristina Freire e Jô Souza. Cada uma a seu modo, olha para o filme e discorre sobre a forma como este figurino concorre para contar uma história.
O debate
Ana Cláudia lembra que a China, neste período, sofrera uma grande influência ocidental, mas sem deixar a sua “identidade” oriental. Contudo, tais referências se amalgamam na narrativa: os corpos orientais, vestidos como tal, são cobertos de acessórios ocidentais – chapéus, relógios de pulso, sapatos de salto, cabelos enrolados casacos e até mesmo as jóias têm essa informação carregada de dados alheios àquele lugar.
A discussão gira em torno, principalmente, do movimento feito por Wong Jiazhi para tornar-se Senhora Mak. A partir daí, o figuro é essencial para a caracterização da personagem, já que é por meio dele que Wong começa a parecer ser o que não é, até não mais saber quem é, nem a quem deve se leal.
http://blog.anhembi.br/site/destaque/cinema-e-moda-essencial-relacao-2/

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