Deslumbrados com os avanços tecnológicos, muitos cineastas e produtores de vídeo tendem a esquecer a essência, o sentido, a força intrínseca que possibilita o êxito de uma obra. A técnica deve servir de suporte para a elaboração da imagem, adequando-se à necessidade de realização e ao conceito estético utilizado. As imagens devem falar através do olhar. Segundo Jean Claude Carriére – roteirista de filmes como Mahabharata, de Peter Brook e O Discreto Charme da Burguesia, de Luis Buñuel:
Não só a linguagem é complexa, já que se dirige a cada espectador individualmente e a platéia como um todo (com reações que podem variar de uma projeção para outra), como também todos falam do seu próprio jeito, com seus próprios recursos e idéias, se possível com seu próprio estilo, suas próprias limitações e idiossincrasias. ( p.32)
Assim, tanto na utilização do suporte digital quanto na escolha de atores não profissionais, o diretor lançou mão de técnicas diferenciadas, que permitiu o enxugamento do orçamento e viabilizou o filme. Segundo o diretor, a obra nasceu da vontade de fazer uma experiência barata que lhe permitisse observar o comportamento dos espectadores, inclusive na possibilidade de escolha do modo de assistir ao filme, que foi lançado simultaneamente na TV, DVD e cinema.
No início de Bubble, deparamos com uma escavadeira cavando a terra, uma imagem metafórica de que tudo que está escondido, ou seja, a podridão daquela sociedade, virá a tona. Utilizando os próprios moradores de Belpre, Ohion (noroeste americano) como atores, e a própria cidade como cenário onde se passam as filmagens, o diretor reconstrói o tecido dramático do filme. As cenas parecem reais e próximas do cotidiano do telespectador. Carriére analisa o processo de construção do roteiro:
Um filme está pronto quando o roteiro tiver esvaecido. Sua estrutura não está mais a vista. Toda a inteligência da platéia se concentra no filme em si, não na maneira como o filme foi realizado. Em outras palavras todo o trabalho preparatório desaparece. Todas as articulações, toda a informação necessária injetada enquanto o trabalho se desenvolvia, estão agora incorporadas à própria ação. O material de construção se dissolveu. ( p.165).
A iluminação cria o clima de mistério, artificial em muitos momentos, em tons pastéis e cinza, e traduz o interior das personagens: seres frios, silenciosos, passionais, niilistas. Quando Martha é presa, a luz azul do seu rosto é a mesma do enquadramento dela sentada no banco da igreja, ou seja, uma luminosidade que remete ao seu estado psicológico. Tarkoviski justifica:
Na verdade, o que nos encanta a imaginação é o absurdo da mise en scène; este absurdo, porém, é apenas aparente e oculta algo de grande significado que confere à mise en scène a qualidade de absoluta convicção que nos leva a acreditar no acontecimento.( p.23)
O silêncio, em muitas cenas de Bubble, é utilizado como uma pausa, uma forma de expressar através das imagens o que não pode ser dito em palavras. "Ápice do instante contemplativo é um estado paradoxal: é um não ser, no qual, de alguma maneira, dá-se o pleno ser" (Octavio Paz, México, 1954).
Enquanto a trilha sonora é um mero acessório para pontuar algumas cenas, ela não acompanha fazendo um "pano de fundo" melodramático, mas age quase paralelamente às imagens. Ela sugestiona, mas não indica caminhos e saídas.
A câmera é quase estática, com enquadramentos ora com planos abertos nas paisagens e espaços públicos, ora com planos fechados nos rostos, principalmente de Martha (Debbie Doeberiner), supostamente a assassina não confessa da jovem Rose, responsável pela quebra da rotina da cidadezinha.
A atribuição de uma nova dimensão à imagem, a partir do primeiro plano, destacando fragmentos do corpo, foi inicialmente considerado como algo contrário à natureza. Falou-se de "grandes cabeças", de dumbs gigants (gigantes mudos), criticaram os cineastas por considerarem que uma cabeça não podia mover-se sozinha, sem o auxílio do corpo e das pernas (Jacques Aumont, 1993, p.140). Já nos anos 20, cineastas como Jean Epstein exploraram a possibilidade de o tamanho relativo da imagem e do objeto representado, ao ponto de considerar o close "a alma do cinema".
"A imagem eletrônica utiliza uma linguagem metonímica, em que a parte, o detalhe, o fragmento são articulados para sugerir o todo, sem que esse todo possa ser revelado de uma só vez" (Arlindo Machado, 1990, p.48). Isso possibilita com que o vídeo seja o meio propício para o primeiro plano.
A partir de um triângulo amoroso: Martha, que amava Kyle (Dustin James), que amava Rose (Misty Dawnwilkins), o filme deflagra vários temas: a religião, o tédio, a solidão, a paixão, os desafetos, o pessimismo, a lógica da produção industrial, a sedução. Não se conta uma grande história. O que existe no filme é o desenvolvimento de microcélulas dramáticas: a relação de Martha com o pai doente, a relação de Rose com o ex-marido e com a filha de dois anos e a relação de Kyle com sua mãe. A câmera é um participante ativo de todo o processo. A igreja é o casulo da solidão, onde evoca-se um suposto "Deus" para o perdão dos pecados. Os moradores estão tão congelados que as imagens parecem fotografias.
A fábrica é espaço de socialização, espaço em que as relações são aproximadas com os personagens principais, que interagem no intervalo da produção dos bonecos. A própria escolha de uma fábrica de brinquedos, bonecos silenciosos, passivos, estáticos, manipulados, construídos e destruídos, produção massificada, indiferença, são metáforas dos "estados de alma" dos moradores.
No final do filme, a mãe do personagem Kyle assume o posto na fábrica que pertencia a Martha, já que ela foi presa e punida por ter assassinado a jovem Rose. Passado alguns dias, a rotina da cidadezinha volta ao normal. A violência é um tema presente e banalizado na sociedade. Uma sociedade doente... uma sociedade bolha prestes a explodir.
Não só a linguagem é complexa, já que se dirige a cada espectador individualmente e a platéia como um todo (com reações que podem variar de uma projeção para outra), como também todos falam do seu próprio jeito, com seus próprios recursos e idéias, se possível com seu próprio estilo, suas próprias limitações e idiossincrasias. ( p.32)
Assim, tanto na utilização do suporte digital quanto na escolha de atores não profissionais, o diretor lançou mão de técnicas diferenciadas, que permitiu o enxugamento do orçamento e viabilizou o filme. Segundo o diretor, a obra nasceu da vontade de fazer uma experiência barata que lhe permitisse observar o comportamento dos espectadores, inclusive na possibilidade de escolha do modo de assistir ao filme, que foi lançado simultaneamente na TV, DVD e cinema.
No início de Bubble, deparamos com uma escavadeira cavando a terra, uma imagem metafórica de que tudo que está escondido, ou seja, a podridão daquela sociedade, virá a tona. Utilizando os próprios moradores de Belpre, Ohion (noroeste americano) como atores, e a própria cidade como cenário onde se passam as filmagens, o diretor reconstrói o tecido dramático do filme. As cenas parecem reais e próximas do cotidiano do telespectador. Carriére analisa o processo de construção do roteiro:
Um filme está pronto quando o roteiro tiver esvaecido. Sua estrutura não está mais a vista. Toda a inteligência da platéia se concentra no filme em si, não na maneira como o filme foi realizado. Em outras palavras todo o trabalho preparatório desaparece. Todas as articulações, toda a informação necessária injetada enquanto o trabalho se desenvolvia, estão agora incorporadas à própria ação. O material de construção se dissolveu. ( p.165).
A iluminação cria o clima de mistério, artificial em muitos momentos, em tons pastéis e cinza, e traduz o interior das personagens: seres frios, silenciosos, passionais, niilistas. Quando Martha é presa, a luz azul do seu rosto é a mesma do enquadramento dela sentada no banco da igreja, ou seja, uma luminosidade que remete ao seu estado psicológico. Tarkoviski justifica:
Na verdade, o que nos encanta a imaginação é o absurdo da mise en scène; este absurdo, porém, é apenas aparente e oculta algo de grande significado que confere à mise en scène a qualidade de absoluta convicção que nos leva a acreditar no acontecimento.( p.23)
O silêncio, em muitas cenas de Bubble, é utilizado como uma pausa, uma forma de expressar através das imagens o que não pode ser dito em palavras. "Ápice do instante contemplativo é um estado paradoxal: é um não ser, no qual, de alguma maneira, dá-se o pleno ser" (Octavio Paz, México, 1954).
Enquanto a trilha sonora é um mero acessório para pontuar algumas cenas, ela não acompanha fazendo um "pano de fundo" melodramático, mas age quase paralelamente às imagens. Ela sugestiona, mas não indica caminhos e saídas.
A câmera é quase estática, com enquadramentos ora com planos abertos nas paisagens e espaços públicos, ora com planos fechados nos rostos, principalmente de Martha (Debbie Doeberiner), supostamente a assassina não confessa da jovem Rose, responsável pela quebra da rotina da cidadezinha.
A atribuição de uma nova dimensão à imagem, a partir do primeiro plano, destacando fragmentos do corpo, foi inicialmente considerado como algo contrário à natureza. Falou-se de "grandes cabeças", de dumbs gigants (gigantes mudos), criticaram os cineastas por considerarem que uma cabeça não podia mover-se sozinha, sem o auxílio do corpo e das pernas (Jacques Aumont, 1993, p.140). Já nos anos 20, cineastas como Jean Epstein exploraram a possibilidade de o tamanho relativo da imagem e do objeto representado, ao ponto de considerar o close "a alma do cinema".
"A imagem eletrônica utiliza uma linguagem metonímica, em que a parte, o detalhe, o fragmento são articulados para sugerir o todo, sem que esse todo possa ser revelado de uma só vez" (Arlindo Machado, 1990, p.48). Isso possibilita com que o vídeo seja o meio propício para o primeiro plano.
A partir de um triângulo amoroso: Martha, que amava Kyle (Dustin James), que amava Rose (Misty Dawnwilkins), o filme deflagra vários temas: a religião, o tédio, a solidão, a paixão, os desafetos, o pessimismo, a lógica da produção industrial, a sedução. Não se conta uma grande história. O que existe no filme é o desenvolvimento de microcélulas dramáticas: a relação de Martha com o pai doente, a relação de Rose com o ex-marido e com a filha de dois anos e a relação de Kyle com sua mãe. A câmera é um participante ativo de todo o processo. A igreja é o casulo da solidão, onde evoca-se um suposto "Deus" para o perdão dos pecados. Os moradores estão tão congelados que as imagens parecem fotografias.
A fábrica é espaço de socialização, espaço em que as relações são aproximadas com os personagens principais, que interagem no intervalo da produção dos bonecos. A própria escolha de uma fábrica de brinquedos, bonecos silenciosos, passivos, estáticos, manipulados, construídos e destruídos, produção massificada, indiferença, são metáforas dos "estados de alma" dos moradores.
No final do filme, a mãe do personagem Kyle assume o posto na fábrica que pertencia a Martha, já que ela foi presa e punida por ter assassinado a jovem Rose. Passado alguns dias, a rotina da cidadezinha volta ao normal. A violência é um tema presente e banalizado na sociedade. Uma sociedade doente... uma sociedade bolha prestes a explodir.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRAFICAS:
AUMONT, Jaques. A imagem. Campinas, Papirus, 2005.
CARRIÉRE, Jean Claude. A linguagem Secreta do Cinema. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 2005. MACHADO, Arlindo. A Arte do Vídeo. São Paulo, Brasiliense, 1990.
TARKOVISKI, Andrei. Esculpir o tempo . São Paulo: Martins Fontes, 2001.
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Eu estou muito contente com sua participação...aprender é compartilhar o saber.
beijos jo souza